PÁTRIA, NAÇOM E ESTADO
Álvaro das Casas
PÁTRIA
Todos sentimos a pátria, cantada em cada língua por milhares de poetas e amada na mais confusa emoçom do nosso ser. Mas, que é ela? Como é ? Onde estám os seus límites?
A pátria é o lugar onde nascemos, o ámbito em que passamos os nossos primeiros anos, e mais ou menos reduzido ou amplo, segundo os nossos olhos alcançaram ver. Para uns, é simplesmente umha aldeia; para outros, um município, para outros ainda, umha província. Remata alí onde começam a se diferenciar as paisagens nativas -a alta montanha para as gentes do val, a campina para os que nasceram nas serras. Porque nós homens, percebemos a nossa situaçom no espaço muito antes de comprender a nossa situaçom no espaço, muito antes de comprender a nossa situaçom no tempo, a pátria constitui o nosso primeiro enquadramento no meio humano; marca a nossa posiçom geográfica no orbe e dá-nos sempre umha ideia formal: o relevo, a paisagem, a fauna, o tipo de homens que vivem connosco. Porque nela passam-se os anos mais afectuosos da nossa vida, porque dá fundo às nossas impressons conscientes, porque nela acontecem as nossas primeiras convivências familiares, é sempre -até a morte- inolvidável. A pátria anda nos nossos olhos, nos olhos do corpo, até o derradeiro instante da nossa existência. Nom nos importam a sua bondade ou a sua beleza. Amamo-la porque é nossa e recordariamo-la contra a nossa própria vontade. Lembram sempre com emoçom a sua terra natal, do mesmo modo os que nasceram no fundo musical dos vales suissos, como os que viram a luz primeira nos desertos africanos; o que nasceu entre as cupolas graciosas de Constantinopla, como o que balbuciou as suas primeiras palavras na pobre morada transmontana. Influi em nós profundamente, essencialmente, até o ponto em que o meio geográfico determina as nossas vidas. Diriamos que nom faz a nossa anatomia, mas, sim, a nossa fisiologia: modula a nossa voz, colora o nosso cabelo, matiza a nossa pele... Os nossos olhos estam mais ou menos fechados segundo os nossos primeiros anos correram entre os geos finlandeses ou nas margens do Mediterrâneo; a nossa pele será mais ou menos áspera ou suave conforme na criança tiveramos habitado no alto do cordal andino, à beira do mar Cárpio ou na mole tibieza galaica.
Uns povos som diferentes de outros porque os seus paises, as suas pátrias, som diferentes também, e nom somente porque o clima ajudou a constituí-los, senom porque através dos nossos sentidos moldou-se a nossa inteligência, "Nihil est in intellectus quod prius fuerit in sensu". Atrai-nos o alcool se vivemos em meios frios, domina-nos a preguiça se habitamos nos trópicos, e somos apaixonados, violentos, coléricos, nostálgicos, sentimentais, pacíficos, um pouco pola temperatura que nos criou e polas primeiras visons que nos deu a natureza.
A pátria é o nosso mais inmediato vencelho para com a humanidade, o primeiro anel dumha grande cadeia que nos prende ao correr dos séculos. Nom nos é doado escolher pátria. Mas os nossos pais, sim, podem escolhê-la à capricho para nós, elegindo livremente o lugar do nosso nascimento e criaçom, cousa que nom ocorre com a nacionalidade. A pátria prende-nos assim cum amor meramente instintivo e engendrado pola simples contemplaçom. Se reacionasemos, tal vez preferissemos outras pátrias à nossa, mas estamos satisfeitos com a que nos coube, tal qual a vemos, sem pararnos a analisar nela nem a botânica da sua vegetaçom, nem a geologia do seu cham. Um homem ao que lhe faltassem todos os sentidos seria incapaz de comprender a sua pátria, e lançado para longe dela jamais sentiria a menos nostálgia, porque os seus olhos nom poderiam recordar a cor da terra nem a transparência do ceu, nem os seus ouvidos o polífono diálogo da paisagem -o mermúrio do rio, o asubiar do vento no bosque, o gorgeio dos passaros -nem o seu gosto aos manjares que primeiro comeu, nem o seu olfato ao aroma dos seus campos, nem o seu tacto ao complexo físico do seu primeiro ambiente. A pátria é forma, elemento sensual e por isso é compreendida ainda polo pervertido e polo desagrado, incapazes de perceber valores espirituais. De muitos homens sem etnia, desprovidos de toda significaçom moral, estranhos em todos os paises, sem afecto para nada nem para ninguém, dizemos -som os "sem pátria" (apátridas). E com tudo, dela recordam-se e , queiram ou nom, estám ligados a ela e, precisamente polo seu rebaixamento, é a pátria - sensaçom física - a única que os situa no mundo, som valorizaçons intangíveis, espirituais, metafísicas, que enchem o ámbito da pátria em longas projecçons do passado e do futuro.
NAÇOM
Mais dificil de comprender é a naçom. Para Renan e Jellinek é umha unidade espiritual: para Haurion, "um grupo de populaçom unido a umha terra determinada, que convive em parentesco espiritual, e desenvolve um pensamento de unidade: para Manzini, "umha sociedade natural de homens, com língua própria, que aceitam umha comunidade de vida e sentem umha consciência social": para Burgess, "umha populaçom dotada de unidade étnica, que habita um terreo dotado de unidade geográfica": para Durán i Ventosa, a sociedade natural e histórica "nom pode depender na sua existência dum facto accidental, como é o reconhecimento do lugar que ocupa", e de facto, a Grécia, a Turquia e a Polónia, eram naçons antes de serem reconhecidas estados, e os judeus constituem umha das nacionalidades mais características, e andam espalhados polo mundo, sem área geográfica em que se refazer. Para Spengler, naçom equivale a "povo de cultura" e é, "como todo corpo vivente", de rica articulaçom interna,e, "pola sua méra existência, umha espécie de ordem".
Naçom é umha comunidade de gentes, que falam um mesmo idioma, vistem-se de maneira análoga, sentem o mesmo princípio religioso, têm os mesmos costumes e conviveram o mesmo passado histórico. Ao conceito de nacionalidade é alheio o de soberania sobre o território, pois, como diz mui bem Prat de la Riba, "o escravo romano era homem, embora as leis do seu tempo só o reconheçam como umha cousa em mãos doutro homem, do homem oficial, que as leis reconheciam, e a naçom era naçom ainda que as leis tivera-na sujeita a outra naçom mais privilegiada". Assim como a pátria surge connosco, a Naçom é anterior à nossa existência e chega-nos pola lei de herança. Aquela é meramente o "jus soli", e esta é o "jus sanguinis". É assim como a pátria é umha impressom física, a Naçom é um sentimento moral. O homem e a Naçom - escreve Graça Aranha - a afirmaçom do individualismo transcendente e o renascimento do espirito da nacionalidade, som as suas forças que recomponhem o mundo nesta curva da história.
A naçom é umha entidade natural, um corpo vivo, que nasce, cresce e morre, sempre cumha vida secular. Cruza-se, procria-se, torna-se esteril, escraviza-se, liberta-se. Póde alcançar alturas de heroica dignidade e cair em tremendos processos de degradaçom, e é sempre, seja qual fora a sua situaçom, umha possibilidade de Estado. Póde conviver numha demarcaçom geográfica, ou estar dispersa e desagregada.
Vemos a pátria quando começamos a perceber as formas que nos rodeiam, e sentimos a naçom no nosso primitivo estado de consciência, quando percebemos que há umha certa solidadirade que nos liga a outros homens que falam, rezam, cantam e vivem com nós. Em muitos povos - nós, os galegos, por exemplo - os sentimentos de pátria e nacionalidade juntam-se, mesturam-se, tornarom-se inseparáveis, polo culto aos mortos. Nom nos importa morrer sendo onde e como morremos, e umha preocupaçom domina-nos sempre que é a de sermos enterrados na nossa terra; as nossas cinzas, confundidas com ela, ligam-nos entom aos nossos antergos e ao elemento primário da nossa pátria. Espantanos a ideia de morrer enterrados em pais estranho, e consola-nos a esperança de que o nosso pobre corpo poida ser levado a dormir o sonho enterno à sombra do nosso lar. Na ofrenda da velhinha, que vai derramar auga benta sobor o túmulo paterno, há umha exaltaçom do cham nativo e um tributo aos seus mortos. Ela, inculta, agarrada à sua aldeia como a hera ao tronco das árvores, presente que sua terra ama-a apaixonadamente e sabe que se puide-se andar polo mundo afóra, o caminho chegaria a umha altura em que a sua língua nom seria comprendida, em que Deus nom seria visto como ela o vê, em que as leis e os costumes importariam-lhe umha vida alheia à sua espontânea maneira de ser. Fixa instintivamente os límites da sua pátria e, sentimentalmente , os da sua nacionalidade. Mas onde remata exactamente a Naçom? Onde os elementos substantivos da existência som outros.
A nacionalidade prolonga-se através de dialectos dumha fala, de maneiras, de formas, de expressons diversas; dentro dela há regions, comarcas e províncias. Mas, no alongamento, chega-se a um límite em que as palavras nom som diferentes pola sua fonética, senom pola sua morfologia; em que os trajes variam porque correspondem a outro clima; em que as danças som outras, porque expressam outros temperamentos; em que a terra cultiva-se de maneira diferente e com productos exóticos, em que a paisagem tem outra estructura, em que nosso coraçom sente ánsias que já nom som comprendidas; em que as leis e os costumes contradizem os nossos hábitos e contorsem a nossa típica idiossincrasia... Nessas fronteiras acabou-se a nossa nacionalidade; daí em adiante pesa sobre nós a estranheza.
ESTADO
Assim como a pátria é umha apreciaçom física e a Naçom um sentimento étnico-moral, o Estado é umha valorizaçom jurídica. Habitualmente confundem-se Naçom e Estado, e até chega-se a vislumbrar no desejo de diferenciâ-los, umha rija vontade secessionista.
Acostuma-se a dizer que o Estado é a expressom jurídica de Naçom, a Naçom organizada, legalizada, herarquizada, em plena soberania dos seus destinos e com plena existência internacional. Para o mestre Gaston Jéze, contudo, o Estado póde existir sem reconhecimento oficial, "da mesma forma que umha criança vive ainda que o seu nascimento nom seja reconhecido". Mais exacto, o mestre Le Fur assinala-lhe um território a umha povoaçom, e exige-lhe "umha actividade governamental". O mestre Jezé estaria certo se Naçom e Estado coincidessem, ou se se referisse à Naçom. Naçom e Estado expressam solidaridade, mas na primeira estabelece-se chegando do passado, e no segundo como umha vontade de futuro. A Pátria está fóra de nós, a Naçom em nós e o Estado sobre nós; os límites da Pátria som geográficos, e os da Naçom étnicos, e os do Estado jurídicos; aqueles dependem da amplitude da nossa comprensom, estes da força dos nossos sentimentos, e os do Estado do nosso interesse e da nossa necessidade.
A vontade, o interesse, a necessidade, som as determinantes do Estado - forças estranhas ao poder da nossa sensibilidade, da nossa capacidade sentimental. A uniom das famílias ligadas entre si por parentesco e semelhanças diversas, originou expontâneamente a Naçom, no entanto, o Estado foi criado de propósito, quando se sentiu a necessidade de viver em ordem, de acomodar-se a umha forma de direito, de mandar e obedecer - quando se percebeu a possível incompatibilidade entre os nossos deveres e direitos e os direitos e deveres dos outros. A nossa vida zoológica liga-nos a umha pátria e a nossa personalidade humana vencelha-nos independentemente da vontade, e de que nunca mais poderemos desligarmos; atingida a maioridade, em direito, podemos escolher o Estado que mais nos convenha dacordo com a nossa vontade, porque o Estado herda-se, mas também ganha-se e perde-se, e é objecto de renúncia. O alsaciano, por exemplo, polo seus idiomas, os seus costumes, a sua antropologia, pertence à naçom germana, e agora é membro do estado francês, como antes de 1918 era do Estado Alemám; amanhã o seu pais pode ser conquistado pola Suiza e ele será suisso, ou pode tornar-se independente e entóm será cidadam alsaciano. Um inglês, se assim lhe convier, pode renunciar ao seu Estado - England - e tornar-se cidadam uruguaio - o que, impropriamente diz-se nacionalizar-se. Um menino, filho de judeus austriacos, nascido em Albacete, será pola pátria castelám, pola nacionalidade judeu e polo direito súbdito do Estado austriaco. A pátria existe no espaço, a naçom no tempo e o Estado na lei. Um dia, por necessidade ou por conveniência, os cidadans portugueses, os espanhois e os franceses poderiamo-nos juntar num só Estado, mas as nossas naçons, até assimilarem-se, seguiriam vivendo distantes séculos e mais séculos, diferentes entre si, e tam rápidamente quando seja a nossa potencialidade de conquista; nem depende de nós esmagar umha nacionalidade - que póde perviver através da escravitude mais tirânica - mas sim, destruir um Estado tam logo quanto rápida seja a sua conquista.
Álvaro das Casas
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